sábado, 14 de julho de 2007

Obscenidades Arqui-velhas


Deprensum in puero tetricis me vocibus, uxor,
corripis et culum te quoque habere refers.
Dixit idem quotiens lascivo Juno Tonanti!
Ille tamen grandi cum Ganymede jacet.
Incurvabat Hylan posito Tirynthius arcu:
tu Megaran credis non habuisse natis?
Torquebat Phoebum Daphne fugitiva: sed illas
Oebalius flammas jussit abire puer.
Briseis multum quamvis aversa jaceret,
Aeacidae propior levis amicus erat.
Parce tuis igitur dare mascula nomina rebus
teque puta cunnos, uxor, habere duos.

Apanhado (1) dentro de um rapaz, com palavras severas, esposa,
Me censuras e dizes que tu também tens um cu.
Disse o mesmo tantas vezes Juno ao lascivo Tonitruante!
Este, contudo, deita-se com o grande Ganimedes (2).
Erguido o arco, curvava a Hilas Tiríntio (3):
Tu achas que Megara (4) não tinha filhos?
Atormentava a Febo Dafne fugitiva: mas estas
Chamas ordenou o rapaz Ebálio que desaparecessem (5).
Briseida, frequentemente, sempre que quisesse, deitar-se-ia ao contrário,
Ao Eácida era mais próximo o gentil amigo (6).
Abstém-te então de dar nomes másculos às tuas coisas
E pensa que tu, esposa, tens duas conas.

(1) “Deprensum”, acusativo do singular do particípio passado do verbo deprehendo, is, ere, di, sum, tanto pode significar “prendido”, “apanhado”, como “apanhado em flagrante”, “surpreendido”, mas também “estar embaraçado”.
(2) Referência a um dos filhos de Trós, mítico rei de Tróia, o qual, pela sua enorme beleza, foi raptado por Zeus e levado para o Olimpo para cumprir a dupla função de copeiro dos deuses e amante do seu raptor.
(3) Este verso refere-se a um dos aspectos (propositadamente) mais esquecidos da figura de Héracles (aqui referido como Tiríntio devido à sua terra natal, Tirinte), um dos paradigmas da masculinidade triunfante: os seus inúmeros amantes do sexo masculino (vd., a este respeito, Plutarco, Erotikos, 761d), entre os quais se contam Iolau, Elacatas, Abderas, Ifito, Nireu (considerado como o mais belo dos Aqueus em Il., II, 673), Filoctetes (protagonista da tragédia homónima de Sófocles) e também Admeto, Adónis e Jasão, entre outros. Hilas é talvez, de todos os seus amados, o mais famoso. Enquanto caminhava pelos campos, Héracles sofreu uma emboscada dos Driópios. Depois de ter morto o seu rei, Teiodamas, os atacantes renderam-se e ofereceram a Héracles o filho do rei, Hilas. A este o herói atribui a dupla função de carregador das suas armas e de amante. Toda a construção deste verso pode ser considerada como uma obra-prima da insinuação erótica. A palavra “posito”, que qualifica “arcu” (“arcus”, arco, no ablativo do singular) tanto pode significar “pousado”, “posto de lado” – o que é uma referência clara às actividades conjuntas de Héracles e Hilas quando não estavam em combate – como pode significar também “erecto”, estabelecendo uma relação entre o arco do herói e o seu pénis. Além disso, a palavra “incurvabat”, que aqui se refere claramente ao acto sexual (Héracles faria Hilas curvar-se de forma a poder penetrá-lo por trás), é uma palavra que se usa para o acto de curvar o arco. Vemos, então, em todo este verso, uma inter-penetração dos elementos que se referem ao combate e dos que se referem ao acto sexual, sugerindo que, na relação entre o herói e o seu companheiro, tanto a guerra como o sexo era inseparáveis.
(4) Filha de Creonte, rei de Tebas, e esposa de Héracles.
(5) Referência aos amores de Apolo: primeiro por Dafne, que o rejeitou; depois, por um dos seus vários amantes do sexo masculino.
(6) Referência a Aquiles e à sua relação com Pátroclo, considerada desde a Antiguidade como de natureza sexual (vd. Ésquilo, frag. 228ss), embora nada no texto da Ilíada indique claramente isso.

(Martial, XI, XLIII - tradução e notas minhas)

3 outras Irrelevâncias:

Musicologo disse...

Finalmente, alguém a traduzir as coisas Gregas realmente relevantes!!

Phaedrus disse...

Não é grega, é latina.

Musicologo disse...

Finalmente, alguém a traduzir as coisas Romanas realmente relevantes!! (Então e gregas não há??)