quarta-feira, 18 de junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.

A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz coa doce voz que o ar serena:
– «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada...»

– «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,

Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!...

Nicolau Tolentino

domingo, 15 de junho de 2008

Coisas Boas do Euro II: Cristiano Ronaldo


Pessoanices III

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Fernando Pessoa

Pessoanices II

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto morre!
Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
O mais é nada.

Ricardo Reis

Pessoanices I

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera

As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,

Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

Álvaro de Campos

terça-feira, 10 de junho de 2008

Dia de Portugal

"A minha/Pátria é onde não estou."
in Álvaro de Campos, "Opiário"

Coisas Boas do Euro I: Lukas Podolski

terça-feira, 3 de junho de 2008

It's back!

domingo, 1 de junho de 2008

Helenismos


Ἀθήνα

ὁρᾷς, Ὀδυσσεῦ, τὴν θεῶν ἰσχὺν ὅση;
τούτου τίς ἄν σοι τἀνδρὸς ἢ προνούστερος
ἢ δρᾶν ἀμείνων ηὑρέθη τὰ καίρια;

Ὀδυσσεύς
ἐγὼ μὲν οὐδέν᾽ οἶδ᾽· ἐποικτίρω δέ νιν
δύστηνον ἔμπας, καίπερ ὄντα δυσμενῆ,
ὁθούνεκ᾽ ἄτῃ συγκατέζευκται κακῇ,
οὐδὲν τὸ τούτου μᾶλλον ἢ τοὐμὸν σκοπῶν·
ὁρῶ γὰρ ἡμᾶς οὐδὲν ὄντας ἄλλο πλὴν
εἴδωλ᾽ ὅσοιπερ ζῶμεν ἢ κούφην σκιάν.

Ἀθήνα
τοιαῦτα τοίνυν εἰσορῶν ὑπέρκοπον
μηδέν ποτ᾽ εἴπῃς αὐτὸς εἰς θεοὺς ἔπος,
μηδ᾽ ὄγκον ἄρῃ μηδέν᾽, εἴ τινος πλέον
ἢ χειρὶ βρίθεις ἢ μακροῦ πλούτου βάθει.
ὡς ἡμέρα κλίνει τε κἀνάγει πάλιν
ἅπαντα τἀνθρώπεια· τοὺς δὲ σώφρονας
θεοὶ φιλοῦσι καὶ στυγοῦσι τοὺς κακούς.

Atena
Vês, Ulisses, quão grande é a força dos deuses.
Já descobriste alguém mais previdente do que este homem
Ou que melhor fosse a agir oportunamente?

Ulisses
Eu não conheço nenhum. Contudo, apiedo-me
Mesmo assim, deste infeliz, ainda que seja inimigo
(Porque uma ruína maléfica em comum nos subjuga),
Não olhando mais para o que é dele que para o que é meu:
Pois vejo que nada somos mais do que
Imagens, nós que vivemos, ou sombras ligeiras.

Atena
Então, já que vês isto, arrogantemente
Nunca digas tu próprio palavras contra os deuses,
Nem tomes nenhuma pompa, se superares alguém
Ou pela força da mão ou pela grande riqueza:
Pois um dia afunda e eleva de novo
Tudo o que é humano; mas os sensatos
Os deuses amam-nos e odeiam os maus.

(Sófocles, Ajax, 118-133; tradução minha)