sábado, 1 de dezembro de 2007

A exposição que veio do frio

Claro que ir à Ajuda sem ver a exposição do Hermitage é como ir a Roma sem ver o Papa. Este é, aliás um ditado que nunca compreendi: já fui a Roma e posso dizer que, de todas as maravilhas da Cidade Eterna, o Papa é, sem dúvida, a menor. Mas isso deve ser por eu não ser católico. Ora, tão pouco sou ortodoxo - e deve ter sido por isso que não consegui apreciar devidamente as maravilhas que nos foram gentilmente emprestadas pelos nossos amigos russos. Eu próprio fui acompanhado por um desses amigos, há já vários anos radicado no nosso ensolarado jardim, que me ajudou a decifrar as inscrições de algumas das peças. Mas mesmo ele, que já foi muitas vezes ao próprio Hermitage, ficou um pouco desiludido. Esperava mais: não só mais peças, mas peças mais conhecidas. Na verdade, a exposição é constituída por uma infinidade de retratos, a maioria de gente para nós inteiramente desconhecida que, não obstante a sua qualidade artística, têm a monotonia repetitiva do retrato, quando não é feito com génio. Além disso, havia uma série de objectos: jóias, incluíndo as miniaturas das jóias imperiais (miniaturas minúsculas, aliás), porcelanas, e mesmo o famoso trenó de Catarina II. Em geral, demasiado império, pouca arte verdadeiramente entusiasmante. E percebe-se porquê: o objectivo era dar-nos a conhecer o Império Russo em todo o seu esplendor. Lamentavelmente (e ninguém sabe isso melhor do que os próprios russos), o esplendor do Império era tão superficial como frágil e, para nós, que somos ou socialistas ou pragmáticos liberais, esplendores destes são como má maquilhagem: bastam umas lágrimas ou umas gotinhas de chuva para as fazer esborratar por inteiro. Mas a verdade é que o século XIX na Rússia foi uma época artisticamente maravilhosa, pelo menos no que diz respeito à música e à literatura. Uma exposição vinda da Rússia teria sido talvez mais interessante se se tivesse dedicado a mostrar as artes plásticas russas dessa mesma época, de modo a ficarmos a conhecer melhor uma faceta da sua produção artística que nos é menos conhecida. Mesmo que a conclusão fosse que os seus pintores e os seus esculturores não chegam aos calcanhares dos seus escritores e compositores, ao menos teríamos aprendido alguma coisa nova. Assim, ficámos com uma exposição bonita, mas só conseguia ensinar-nos o que nós já sabíamos: que a corte russa era mesmo esplendorosa.

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